O recente caso de erro médico ocorrido no Hospital Geral do Estado (HGE), onde uma idosa de 73 anos teve uma das pernas amputada durante uma cirurgia de correção de fratura no tornozelo, traz à tona uma problemática grave e complexa que permeia o campo do direito médico e que vem crescendo nos últimos anos.

Em 2020, o Relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça revelou a existência de quase 500 mil judicializações na saúde, boa parte das quais são demandas relacionadas a erros médicos.[1]

Não há dúvidas de que o erro médico é fenômeno trágico, com o potencial de causar impactos nefastos tanto na vida da paciente e de sua família quanto no funcionamento da instituição hospitalar. Em casos semelhantes ao da notícia, é fundamental que se discuta a questão do ponto de vista jurídico, abordando responsabilidade civil da equipe médica e da instituição hospitalar, bem como as medidas que podem ser tomadas em eventual ação judicial.

Responsabilidade civil da equipe médica – danos materiais, morais e estéticos

Toda a equipe médica, seja em procedimento cirúrgico ou clínico, tem a chamada “obrigação de meio”. Isso significa que os profissionais da saúde assumem o compromisso de empregar todos os meios disponíveis e necessários para oferecer um diagnóstico correto e fornecer um tratamento adequado aos pacientes, minimizando os riscos e tomando as precauções cabíveis, mesmo diante de procedimentos delicados e invasivos, como uma cirurgia ortopédica.

O erro médico implica na violação dessa obrigação de meio, de modo que pode resultar na responsabilidade do profissional pela indenização do paciente pelos danos materiais, morais e estéticos que eventualmente resultarem, sem prejuízo de medidas no âmbito penal e administrativo.

A fim de buscar reparação pelos danos sofridos, a paciente e sua família podem recorrer à via judicial. É importante salientar que a responsabilidade civil no âmbito médico pode ser regida pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Código Civil, que estabelecem os requisitos para a configuração da responsabilidade e os critérios para a fixação do valor indenizatório.

A responsabilidade indenizatória do profissional da saúde, em razão de erro médico, tem três requisitos essenciais: a existência de dano, a existência de ato ilícito e relação de causalidade entre ato e o resultado danoso.

No caso noticiado, o dano é evidente, uma vez que a paciente teve a perda de um membro, que não seria perdido caso o procedimento médico correto fosse adotado. Há que se questionar não apenas a existência de dano estético, mas também danos materiais, como a necessidade de aquisição de próteses, perda de emprego por incapacidade laboral ou gastos diversos. Ademais, certamente haverá a configuração de danos morais.

Além do dano, é imprescindível que haja a relação entre a conduta médica e o resultado danoso. Como se sabe, procedimentos cirúrgicos costumam envolver riscos, de modo que o médico não é obrigado, via de regra, a garantir o bom resultado do procedimento, mas sempre deverá adotar todas as medidas necessárias para a diminuição dos riscos e controle dos danos. Cabe analisar se o resultado danoso foi fruto de ato médico, ou se decorre do risco inerente ao procedimento. Na hipótese de dano decorrente de risco inerente ao procedimento, fica excluída a responsabilidade da equipe médica pela sua reparação.

Por fim, é necessário analisar se o ato do médico que causou o dano é ato ilícito. Será ilícito se for ato voluntário (se o profissional desejou a provocação do dano), ou ainda se for praticado culposamente, caso o médico tenha agido com negligência ou imprudência.

Para a caracterização da responsabilidade na ação judicial é necessária a prova dos elementos descritos acima, por meio de perícia técnica e demais meios. No caso, seja para fortalecer o pleito indenizatório, ou mesmo na defesa processual, recomendado que se conte com a expertise de um escritório de advocacia especializado em direito médico, que contará com o conhecimento adequado para a maximização das chances de êxito.

Responsabilidade civil da instituição hospitalar

Um dos aspectos cruciais a serem abordados no lamentável incidente noticiado é a responsabilidade civil atribuída ao Hospital Geral do Estado (HGE). Como instituição de saúde, o hospital detém a obrigação de assegurar a segurança e a qualidade dos procedimentos realizados em suas dependências.

Nesse sentido, o entendimento jurisprudencial dominante é de que, nos casos de erro médico, é necessário que se prove a culpa do profissional que cometeu o ato, para que, só então, o hospital seja responsabilizado solidariamente ao médico.

No caso em questão, o erro médico resultou na amputação da perna de uma paciente idosa durante uma cirurgia de correção de fratura no tornozelo. Esse trágico desfecho ensejará a responsabilização solidária do hospital, caso reste comprovada a negligência, imprudência ou imperícia da equipe médica que realizou a cirurgia.

No entanto, em casos diversos, na hipótese em que o dano é provocado por falha na prestação dos serviços hospitalares, e não especificamente por erro médico, a responsabilidade do hospital será objetiva e não dependerá de qualquer prova de culpa. Esse é o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, uma vez que o hospital, ao prestar os serviços de saúde assume os riscos da atividade econômica que exerce.[2]

Diante disso, é relevante refletir sobre a importância de medidas institucionais para evitar a ocorrência de erros médicos no futuro. As instituições hospitalares e clínicas médicas devem rever seus protocolos de segurança, capacitar sua equipe e implementar medidas preventivas, visando garantir que situações semelhantes não ocorram, evitando também a responsabilização civil e, eventualmente, responsabilização penal e administrativa pelos erros médicos.

Conclusão

O caso do erro médico ocorrido no Hospital Geral do Estado evidencia a importância de uma atuação responsável e técnica por parte dos profissionais de saúde, bem como a necessidade de medidas institucionais para garantir a segurança dos pacientes, a adequada prestação dos serviços hospitalares e a segurança jurídica da instituição e dos profissionais.

Nesse contexto, um escritório de advocacia especializado em direito médico desempenha um papel fundamental, oferecendo suporte jurídico especializado, tanto por meio de consultoria jurídica, quanto por meio de representação processual, análise e redação de contratos e termos de consentimento que tornem seguro o exercício da atividade médica para todas as partes.

[1] Justiça em Números 2020: ano-base 2019/Conselho Nacional de Justiça – Brasília: CNJ, 2020.

[2] STJ – REsp 1.621.375. Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI. Data do Julgamento: 19/09/2017. T4 TERCEIRA TURMA.

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